--> ALGUNS VERSOS ESCRITOS POR MEU BISAVÔ. NÃO O CONHECI PESSOALMENTE, INFELIZMENTE, MAS PELO O QUE NOS DEIXOU, PERCEBE-SE UM HOMEM A FRENTE DE SEU TEMPO, UM SÁBIO, ARTISTA!
ALGUNS DESSES POEMAS SÃO CORRESPONDÊNCIAS QUE MANTINHA COM A IRMÃ QUE, MAIS TARDE, PERDE A VISÃO.
Ipoméas
Versos de Bento Braga Netto
Saudade
Saudade, suave saudade,
Que nosso peito enternece
Lembras longínqua amizade
Envolta em sentida prece.
Saudade - maguada queixa,
Dor intensa, nostalgia,
Que o peito fere e nos deixa
Aromas, flores, poesia.
Saudade modesta flor
De aroma sutil, etéreo
Vicejas lembrando dor
Catacumbas, cemitérios...
Emblema de caridade
Roxa saudade, que dor!
Saudade, meiga saudade,
Poesia, luar, amor.
Tão modesta e abandonada,
Vicejas triste num canto,
Acordas pela alvorada
De orvalho envolta no manto.
E o sol surgindo ilumina
Cada gota fulgurante
E o brilho prende e fascina
a borboleta inconstante.
E assim, dorida saudade
Que o nosso peito enternece,
Lembras longínqua amizade
Envolta em sentida prece.
1905
Saudades do Passado
Para Ipoméa
Fugiu meu anjo, meu doce encanto
Na vida errante perdi meu guia
Sinto nos olhos brotar o pranto
Só vejo a noite - fugiu - me o dia.
A minha musa ficou sentida,
Assim não posso - meu Deus - cantar,
E a minha lira tombou partida
Mas não me inspira, só quer chorar
Suspira ó musa, meu pensamento
que na loucura perdido vai,
Lágrima errante no firmamento
Passa cantando... que longe céu.
Passa cantando... guia divino
Conforta o pobre que a Deus conduz.
Leva minh'alma cantando em hino,
Contigo estrele feito a luz,
Se tu perdesses o meu passado
Trajei de novo, quanta ilusão!
De luto todo meu ser tomado,
Envolto em crepe meu coração.
Quanta alegria, quanta ventura,
De novo meu dia quisera ter..
Cadente estrela divina e pura,
Tu que do espaço me estás a ver.
Dá - me meu anjo, meu doce encanto
Que foi na vida meu doce guia
Pois nos meus olhos já brota o pranto
Só vejo a noite, fugiu - me o dia.
1905
Postal
De tua voz a harmonia
É como o aroma da flor
Que ascende pela poesia
Ó pira excelsa do amor.
Por que sofres?
Não sei porque sofres tanto,
Só sei que sofro também,
Assim vivendo, no entanto,
Ninguém resiste, ninguém!
Não sei porque sofres tanto
Só sei que sofro também.
Tu me ocultas com certeza
As mágoas que tens no peito.
Diga com toda a franqueza
Que as tuas razões aceito
Tu me ocultas com certeza
As mágoas que tens no peito
A natureza nos fala
Rindo e cantando nos ares
da flor o aroma trescala
Para ocultar teus pezares
A natureza nos fala
Rindo e cantando nos ares.
Canta e ri que me consolas,
Não quero ver-te cismar
Esticai as mãos, dá-me esmolas
Dou luzes ao teu olhar
Canta e ri que me consolas,
Não quero ver-te cismar
Por certo tens escondido
Dentro do peito um segredo,
Escute, estou prevenido
Sou teu irmão, tu tens medo?
Por certo tens escondido
Dentro do peito um segredo
O mundo é cheio de dores,
Cheio de mágoa e tristeza,
Vamos olhar para as flores
As filhas da natureza
O mundo é cheio de dores,
Cheio de mágoa e tristeza.
Sim para as flores, que as flores
São anjos de Deus querida,
Borboletas multicores
Cantando os hinos da vida.
Sim para as flores, que as flores
São anjos de Deus, querida
Não sei porque sofres tanto
Só sei que sofro também
Assim vivendo, no entanto,
Ninguém resiste, ninguém
Não sei porque sofres tanto,
só sei que sofro também. 3/1905
Envolve-me da existencia o manto da desgraça
E em vão preces elevo a Deus que nos consola.
O vento da amargura em meus ouvidos passa
E a fé pura, ao ...... para o espaço se evóla.
Por sobre mim, feroz, agoarento esvoaça
O destino cruel que a meu viver estióla.
Hora a hora, a fugir, uma ilusão perpassa
E esta vida no altar da desventura imóla.
Embalde erguendo a voz prescente o firmamento
Em busca de bem que, há muito, como vento
Partiu sem mais voltar risonho para Deus.
Sozinho na distância errante abandonado
Espero a minha vez de segui-lo e a seu lado
Viver para a outra vida, ó luz dos olhos seus.
Moreninha
Moreninha feiticeira
Alegre e viva, onde estás?
Tão bonita, tão faceira
Que minh`alma se desfaz...
Quando vi-te a vez primeira
Com esses lábios, que corais!
Moreninha festiceira
Alegre e viva, onde estais?
Moreninha alegre e viva
Quando certo vi tão formosa
Minh`alma ficou cativa
Dos teus lábio cor de rosa
No meu peito o amor se aviva
Quando te vejo, mimosa
Moreninha alegre e viva
Quando eu te vi tão formosa...
Teus olhos – faróis divinos
Que a minha musa iluminam,
Valem preces, valem hinos,
Brilham tanto que fscinam.
Pelos clarões vespertinos
Juro que a cantar me ensinam
Teus olhos, faróis divinos
Valem preces, valem hinos.
Assim, formosa morena
Canto e suspiro por ti
És qual alegre faceira
Tão bela assim nunca vi.
Para os olhos meus...
A meu esposo e filhos
Vejo um mendigo, suplicar, orando:
"Uma esmolinha pelo amor de Deus"!
E eu, cismado, suplico, até chorando:
Halos de luz para os olhos meus...
E, assim, contemplo - o, neste mundo vário,
Sempre rogando "pelo amor de Deus"!
E eu suplicando vou qual visionário,
Halos de luz para os olhos meus...
Quando pesar, mágoas ou incerteza,
Na rogativa - "pelo amor de Deus"!
E eu em mágoas, também, peço em tristeza:
Halos de luz para os olhos meus...
Dele é assim a vida empobrecida:
Rogando sempre "pelo amor de Deus"!
E com ele, suplico entristecida
Halos de luz para os olhos meus...
Cachoeiro de Itapemirim - 9/10/953
Halos de luz
Para Ipoméa
Halos de luz para os teus olhos, perto
Terás, querida, porque bem mereces.
Nosso amor é quem pede e nossas preces
Numa súplica a Deus irão por certo.
Teu coração ao bem sempre desperto
Se aproxima de Deus porque padeces.
Halos de luz terás em fartas mésses
Do teu olhar fugindo esse deserto.
Ó Deus eterno e bom, nós te rogamos!
Ouve o grito de dor que te mandamos
Em nome de teu filho o bom Jesus
Dá - nos, Senhor, o bem tão desejado
E que aos olhos de um ser amargurado
Desçam do Eterno Céu - Halos de Luz.
18/11/953
Pois nunca mais verei teu lindo rosto,
Teu porte amigo e bom tão bem disposto...
Dos suaves olhos teus toda ternura
Neste sofrer cruel que me tortura
Mais e mais se avoluma o meu desgosto.
E na imensa tristeza de um sol porto
Sinto o peso de minha desventura.
Mas, ó Deus, se a tristeza me devora,
Eu sinto em mim como um clarão de amor e
Que me consola nesta grande dor.
E no eterno sofrer, nesta indemencia
Troco o mal que me causa a tua ausência
Pelo bem que me faz teu grande amor.
É contudo nossa última ilusão.
Quantas vezes nos pulsa o coração
Por um bem que nossa'alma alegre adorna.
Mas quantas vezes esse bem retorna
Ao ponto de onde veio e nós, então,
Nos mergulhamos na desilusão
Que o mal em nosso pensamento entorna.
Ó perene sofrer, ó vão tormento!
Com que prazer veremos o momento
Em que de amor seremos inundados.
E a morte, então, virá tão desejada
Para levar - nos à mansão sonhada
Da eterna paz dos bem aventurados
11/11/947
Quando ela morreu, um verme
disse a outro verme mais moço:
"Seu corpo, coitado, inerme
Não tem carne, só tem osso.
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Aqui jaz quem nesta vida
Sempre foi gorda e macissa.
Passou no mundo esquecida,
Morreu de tanta preguiça.
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Aqui jaz na cova fria
Quem sempre andava a sonhar,
Morreu, Meu Deus, quem diria?
Como a cigarra a cantar.
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"Quando ao túmulo baixou"
E viu - se erma e sozinha,
Ela a chorar perguntou:
Onde está minha gatinha?
Para Irene, minha querida esposa
Muito lutei nesta existência, Eu via
Em tudo olhares só de falsidade.
Toda sorte era adversa e, na verdade,
Em tudo o egoísmo e a inveja era o que eu via.
E nessa noite assim muda e sombria
Cheia de dor e de ferocidade
Nunca pude encontrar a claridade
Na treva horrenda em que me debatia.
Muito lutei nessa existência. Agora
Vou calmo caminhando vida à fora
Na velhice que os seres todos gasta.
Mas tenho a recompensa desejada,
Vejo a luz compassiva e eternisada
Do teu amor, querida, e isto me basta.
A vós
Nunca provei o teu beijo;
de estranho amor estremeço;
caminho; sangram meus pés.
Existes - mas não te vejo;
és bela - não te conheço;
amo - te e - não sei quem és!
Quanta beleza!
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