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Entrevista: Kathleen Turner

Edição 1859 . 23 de junho de 2004

A volta por cima

A atriz americana fala como conseguiu superar o sofrimento causado por uma doença grave – a artrite reumatóide


Anna Paula Buchalla, de Nova York

Ser adolescente nos anos 80 era, também, sonhar com a Kathleen Turner do filme Corpos Ardentes – as moças queriam ser como ela; os rapazes desejavam uma namorada como ela (mas não tão fatal, é verdade). Se dependesse apenas de Kathleen, a expressão "loira burra" não existiria. Talentosa, dona de um humor afiado e de uma voz rouca marcante (emprestada a Jessica Rabbit, de Uma Cilada para Roger Rabbit), a atriz americana atuou em filmes de grande sucesso, como Peggy Sue – Seu Passado a Espera, de Francis Ford Coppola, A Honra do Poderoso Prizzi, de John Huston, e O Turista Acidental, de Lawrence Kasdan, entre outros. Para não falar de suas magníficas atuações no teatro, no qual está para estrear Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Ela interpretará Martha, o mesmo papel de Elizabeth Taylor na versão para o cinema. Em 1993, Kathleen viu seu mundo quase desabar, ao ser diagnosticada com uma doença degenerativa grave, a artrite reumatóide, que ataca as juntas e as articulações. Os médicos chegaram a dizer que ela não conseguiria mais andar normalmente. A atriz ganhou peso, entrou em depressão, afundou-se no álcool, mas conseguiu dar a volta por cima. Hoje, aos 50 anos, ela está mais ativa do que jamais esteve nos últimos anos. Kathleen deu a seguinte entrevista a VEJA.

Veja – Como a senhora descobriu que sofria de artrite reumatóide?
Kathleen – Isso foi há onze anos. Eu estava filmando Mamãe É de Morte, quando meus pés começaram a doer muito. Eles incharam tanto que meus sapatos simplesmente não serviam mais. Cheguei a ponto de só conseguir usar um único par de tênis – e, ainda assim, desamarrado. Não tinha idéia do que estava ocorrendo comigo. O primeiro médico que procurei, um ortopedista, fez radiografias das minhas pernas e, basicamente, me disse para comprar sapatos novos. Pouco tempo depois, eu não conseguia mais abrir totalmente os braços e, gradativamente, fui perdendo a capacidade de virar a cabeça. Procurei, então, um médico especializado em tratamento de atletas. Como as imagens dos exames não mostravam nada, ele me sugeriu uma cirurgia do tipo exploratória. Eu, obviamente, recusei seguir esse caminho. Continuei a me sentir mal durante a maior parte do tempo. Tinha constantemente febre baixa e minha energia se esvaiu. Para resumir, só depois de um ano do aparecimento dos primeiros sintomas é que obtive o diagnóstico correto, por meio de um exame de sangue.

Veja – E qual foi sua reação ao receber a notícia?
Kathleen – Senti medo, mas também alívio: finalmente minha doença tinha um nome. Lembro que, no dia em que recebi o diagnóstico, fui a uma reunião de pais na escola de minha filha. Sentei numa dessas cadeiras pequenas que as crianças usam e, ao final do encontro, não conseguia mais me levantar. Eu sentia muita dor. Àquela altura, eu praticamente não andava ou segurava objetos. Na época, os médicos chegaram a dizer que eu talvez não voltasse a andar normalmente. Foi horrível.

Veja – A senhora nunca se deixou abater?
Kathleen – Quando me disseram que eu poderia deixar de andar como qualquer pessoa saudável, fiz uma verdadeira romaria pelos consultórios dos melhores reumatologistas de Nova York. Foram anos de coquetéis de drogas pesadas, com efeitos colaterais terríveis. Como a artrite reumatóide é uma doença auto-imune, os remédios que existiam até então eram supressores do sistema imunológico – o que, obviamente, debilita muito. Testei todas as combinações e dosagens possíveis. Ganhei peso e entrei em depressão. De uns cinco anos para cá, surgiram outros remédios e informações mais acuradas sobre a doença. Hoje sei, por exemplo, que a doença também tem uma origem genética. Alguns momentos foram demasiadamente sofridos, mas nunca perdi o otimismo. Há alguns anos, quando as manifestações da doença ainda eram muito presentes, eu estava na piscina, andando de um lado para o outro, quando consegui abrir os braços. Comecei a rir sozinha, plantada no meio d'água. O coitado do salva-vidas ficou até assustado.

Veja – Sua vida mudou muito depois da doença?
Kathleen – Costumo dizer que essa é uma doença que não acaba com a sua vida, mas com o seu estilo de vida. Na época do diagnóstico, tínhamos uma linda casa, mas eu não conseguia subir as escadas. Fomos obrigados, então, a mudar para um apartamento. Isso sem falar no trabalho, nas relações com meu marido e no dia-a-dia com minha filha. Imagine o que é ter uma filha pequena – a minha tinha 6 anos na ocasião em que tudo começou – dizendo "Vamos, mamãe", e você sendo obrigada a responder "Desculpe, não consigo". Não foi fácil vê-la me ajudando. Esse é, afinal, o papel da mãe. E lá estava uma criança cuidando de mim. Tudo é afetado pela dor e pela incapacidade de realizar as atividades mais corriqueiras. No trabalho, passei a escolher os papéis de acordo com o que eles exigiam de mim fisicamente.

Veja – Como é o seu tratamento hoje?
Kathleen – Tomo remédios de última geração e faço muita ginástica. Tive muita sorte de poder participar de programas experimentais. Cheguei ao meu médico atual por acaso. Eu estava me arrastando na escada da escola da minha filha, para subir apenas alguns lances, quando a mãe de uma coleguinha dela quis saber o que estava acontecendo. Ela, então, me disse que uma de suas filhas tinha artrite juvenil, uma forma bastante severa da doença, e se tratava com um especialista em Boston. Estou com esse médico até hoje. Ele me ensinou que a artrite reumatóide é uma doença que deve ser combatida diariamente. Comecei a fazer exercícios quase todos os dias, apesar da dor. Nado bastante. Trabalho principalmente ombros, joelhos e cotovelos.

Veja – Há esperança de cura?
Kathleen – O diagnóstico precoce é capaz de evitar lesões nas articulações. Não há, portanto, mais razão para que as vítimas da doença passem pelo mesmo martírio que eu. Tenho confiança de que a cura aparecerá antes que eu morra.

Veja – A senhora teve medo de, por causa da doença, não ser mais chamada para trabalhar?
Kathleen – Sim, muito. Tanto que, por um longo tempo, tentei esconder a doença. De certa forma, era melhor que as pessoas achassem que eu tinha problemas com bebida ou algo do gênero. Afinal de contas, os diretores e produtores estão acostumados a lidar com atores dependentes de álcool e drogas. A grande dificuldade é trabalhar com alguém que tem uma doença misteriosa, sobre a qual pouca gente tem informação.

Veja – A senhora extraiu algo de bom da doença?
Kathleen – Até ficar doente, eu não percebia quanto condicionava a minha auto-estima à minha imagem. Ao me ver combalida, enfrentei uma crise de identidade. Me perguntava o tempo todo: "Quem sou eu? O que será feito do meu trabalho e da minha vida?" Tive de enfrentar isso e priorizar outros aspectos da existência. Agora determino o que posso fazer, o que podem fazer por mim e o que simplesmente não me importa. Meu marido, com quem estou há vinte anos, me ajudou e continua me ajudando muito nesse processo. Hoje sei que posso fazer bem o meu trabalho mesmo que não esteja no auge de minha forma física.

Veja – A senhora está bem mais magra do que alguns meses atrás. Há rumores de que o emagrecimento é fruto de uma cirurgia de redução de estômago. É verdade?
Kathleen – Não, não é verdade.

Veja – A senhora não filma nos Estados Unidos desde o ano 2000. A senhora está desiludida com o cinema ou o problema é que, como dizem muitas atrizes, faltam bons papéis para as mulheres mais velhas?
Kathleen – Estive envolvida no projeto de um filme francês, Without Love, mas por questões financeiras as filmagens não foram adiante. Na verdade, tenho me dedicado basicamente ao teatro. Fiz algumas peças na Broadway, como A Primeira Noite de um Homem e Tallulah. Em dezembro, estrearei Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, no papel de Martha. Será a primeira montagem da peça na Broadway desde 1976. Amo fazer teatro e, honestamente, para as mulheres da minha idade os melhores papéis estão no palco. No cinema, aos 50 anos, ou você interpreta a ex-mulher de alguém ou a mãe eternamente amargurada. Já cheguei a receber roteiros em que eu faria o papel de avó. Pelo menos, no teatro, eu tenho a chance de fazer papéis que nunca fiz e que eu sempre quis fazer, como o de mulheres mais meigas e delicadas.

Veja – Então, para uma atriz, é mesmo uma dificuldade ter 50 anos...
Kathleen – Sim, pelo menos nos Estados Unidos. Este é um país que prioriza a cultura e o consumo dos jovens. Os mais velhos são pouco ou quase nada respeitados por aqui. É muito triste. Você pode imaginar alguém na França dizendo que Catherine Deneuve é velha demais? Ou, na Itália, que Sophia Loren é velha?

Veja – A senhora nunca se importou em representar vilãs, ao contrário da maioria das grandes estrelas. Elas preferem não aceitar papéis negativos com medo de que isso possa interferir em sua imagem. O que acha disso?
Kathleen – Não vou julgar ninguém, mas interpretar uma mulher má é muitíssimo mais divertido do que fazer a boa moça – que é sempre previsível e não impõe maiores desafios a uma atriz. Além disso, jamais gostei de me repetir.

Veja – Em 1999, a senhora se internou numa clínica de desintoxicação. Qual foi o efeito do abuso do álcool na sua carreira?
Kathleen – Na minha carreira, o álcool não teve nenhuma influência. Jamais bebi enquanto filmava. Usei o álcool para amenizar a dor física e psicológica causada pela doença. Isso quase me matou. Quando eu estava realmente mal, resolvi que precisava fazer alguma coisa e, durante duas semanas, permaneci numa clínica. Foi uma experiência ótima – mas não que eu queira repetir, é lógico!

Veja – A senhora disse uma vez que era mais reconhecida pela sua voz do que pela sua imagem. Em 1988, a senhora fez a voz de Jessica Rabbit no filme Roger Rabbit. Por que a senhora não fez mais esse tipo de trabalho?
Kathleen – Foi muito divertido fazer Jessica Rabbit. Mas, nos últimos anos, resolvi usar minha voz de forma diferente: no rádio. Tenho um programa semanal de uma hora, com entrevistas e informações sobre política. Entrevistei, recentemente, um tenente recém-chegado do Iraque. Acho que os americanos deveriam se envolver mais nessas questões. Me assusta o fato de se dar tão pouca importância nos Estados Unidos ao problema da fome no mundo, das relações internacionais, das guerras. Acho os americanos preguiçosos em relação a esse tipo de assunto. Por acreditar que tinha de fazer algo sobre essas questões, passei a trabalhar no rádio.

Veja – O que a senhora acha da administração Bush?
Kathleen – Acho Bush terrível. É errado o modo como ele governa – sua visão é muito impregnada ideologicamente, o que é perigoso. Concordo que existe atualmente, nos Estados Unidos, uma atitude de não criticar nem questionar as políticas governamentais que cerceiam a liberdade. Os poucos que fazem isso acabam desacreditados ou ridicularizados. Por outro lado, não acho, sinceramente, que os americanos irão renunciar a seus direitos. Ou, pelo menos, espero que não.

Veja – A senhora é constantemente comparada à atriz Lauren Bacall – o mesmo olhar, a mesma voz. É verdade que, certa vez, a senhora disse a ela: "Olá, eu sou você mais jovem"?
Kathleen – Nós nos divertimos muito com essa comparação. Já virou até um jogo. Quando nos encontramos na rua, empostamos a voz e nos cumprimentamos num tom bem grave: "Boa-noite, senhora Turner", "Boa-noite, senhora Bacall". Na verdade, foi ela que me disse ter ouvido de alguém que eu era ela mais jovem.

Veja – Como é viver em Nova York?
Kathleen – Como meu pai era diplomata, cresci em grandes centros, como Londres e Washington. Morei também na Venezuela. Hoje, posso dizer que Nova York é a única cidade em que eu gostaria de viver. Não saberia morar em outro lugar. Saio nas ruas e vejo todo tipo de pessoa – da mais pobre à mais rica. O bom de Nova York é que existem áreas extremamente diferentes e isso não faz nenhuma delas ser mais importante do que outra. Já em Los Angeles, há apenas uma área considerada relevante. Aqui em Nova York, você é sempre parte do povo, e eu adoro isso.

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